30 de agosto de 2019

Resenha: "TOOL - FEAR INOCULUM" (2019)



São poucas as bandas que possuem passe livre para a experimentação e a loucura dentro do heavy metal. Os norte-americanos do Tool não apenas ganharam esse direito, ainda nos anos 90, como abusaram do mesmo ao longo de quatro álbuns, dos quais dois ou três foram absurdamente influentes no metal progressivo, metal alternativo, e até no lado mais inteligente do ‘nu metal’. Após 13 anos sem material novo, eis que o quarteto volta a surpreender - na medida do possível - com seu novo trabalho: “Fear Inoculum” (2019).

Aqui, o grupo parece estar ciente de que seu auge experimental já passou, mas ao mesmo tempo se mostra renovado e disposto a utilizar elementos prévios com algumas diferenças: músicas maiores e mais cinemáticas do que de costume, emoções em primeiro plano, e virtuosismo técnico em segundo plano. O vocalista Maynard James Keenan está arrepiante no quesito ‘feeling’, e ainda traz novas camadas para a sua habitual voz aveludada. E as letras são bastante claras e objetivas em seus sentimentos de reflexão e evolução pessoal.

A boa faixa-título é um exemplo do espírito do novo álbum, visto que começa de forma suave – e com um pouco daquele clima esotérico que permeia muitas músicas do grupo -, e nos leva a uma viagem crescente de ritmos, guitarras cada vez mais pesadas, e letras sobre o expurgo do medo e negatividade. Já a excelente “Pneuma” possui bases mais psicodélicas, e vai adquirindo intensidade em paralelo aos desdobramentos do seu tema espiritual.

“Invincible” também é muito boa, beneficiada por um instrumental criativo que culmina em um magnífico final claustrofóbico, e provida de uma metáfora que nos leva a imaginar a banda como sendo o velho guerreiro citado na letra. Já “Descending” se alterna entre o letárgico e o agressivo, como forma de abordar as consequências da maldade humana.

A quase comovente “Culling Voices” é outro destaque, graças às modulações vocais de Keenan bem unidas à sua temática sobre conflitos internos. Por fim, a sensacional “7empest” é o momento mais ‘fusion’, pesado e frenético do disco, o qual eleva a bateria de Danny Carey e a guitarra de Adam Jones, e ainda te atinge como a própria tempestade citada em seus versos.

“Fear Inoculum” é possivelmente o terceiro melhor álbum do Tool, logo após os supremos “Ænima” e “Lateralus”. Acima de tudo, ele é como um mantra metálico que vai te colocar num transe, e ainda pode te presentear com uma epifania sobre nosso eterno amadurecimento na vida. Essa é uma banda que passou por vários problemas nos últimos anos, e que agora encontrou sua paz e segurança. Escute todas as músicas com atenção, e sem medo!

Nota: 9

Por Fábio Cavalcanti

Músicas:
1. Fear Inoculum
2. Pneuma
3. Invincible
4. Descending
5. Culling Voices
6. Chocolate Chip Trip
7. 7empest

21 de agosto de 2019

Resenha: "YESTERDAY" (2019) [sem spoilers]



Como seria uma realidade sem a música dos Beatles (e, por tabela, sem coisas como Coca-Cola e a banda Oasis)? Pior ainda: como seria a atualidade se, após um apagão no planeta todo, apenas um músico frustrado lembrasse da existência das canções? E se esse músico se apropriasse da autoria de todas essas canções? Essa é a história fantasiosa e quase fabulesca de "Yesterday" (2019), novo filme do consagrado diretor Danny Boyle.

Além da sua trama básica, temos também um lado forte de comédia romântica envolvendo os dois protagonistas: o desajeitado cantor Jack Malik (Himesh Patel) e a sua fofa amiga Ellie Appleton (Lily James). Apesar da boa química entre os dois, há alguns clichês e situações forçadas do gênero ao longo do filme, o que nos faz perceber como o roteiro seria ainda mais forte se trouxesse maior detalhamento nos desdobramentos musicais e nos seus subtextos sobre desonestidade e falta de personalidade.

Por sinal, essa hipotética realidade evoca a questão "talento vs. mediocridade", visto que nem todo mundo possui o dom para compor obras épicas - algo intensificado pelas ótimas piadas depreciativas em cima das aparições do cantor Ed Sheeran na história. Há ainda alguns geniais momentos que exploram o anacronismo que existe numa atualidade fictícia em que essas canções nasceram tão afastadas de sua época e contextos originais (preste atenção nas cenas de “Hey Jude”, “Back in the USSR” e do “White Album”, por exemplo).

Boyle continua empregando classe em sua direção, mesmo em uma narrativa que não se arrisca e não ousa tanto em suas reviravoltas e questões morais. No geral, ele se mostra econômico em seus habituais maneirismos de cores e montagens, além de fazer com que a certa falta de carisma do ator Himesh Patel seja ironicamente funcional para a história e sua mensagem. Some-se a isso a dose de simpatia fornecida pela atriz Lily James e alguns outros...

“Yesterday” é, no fundo, uma bela homenagem à universalidade das canções dos Beatles, em que somos presenteados com uma nostalgia reverente e ideal para uma boa sessão ao lado da família ou dos amigos. A comédia é bem sacada, elegante e nada apelativa – em especial durante as (re)criações das músicas -, e o lado dramático pode te extrair pequenas lágrimas em uma ou duas cenas... Temos aqui um estado de inocência não muito distante do que sentimos ao escutar os sons dos garotos de Liverpool. All You Need is Love!

Nota: 8

Por Fábio Cavalcanti

16 de agosto de 2019

Resenha: "BARÃO VERMELHO - VIVA" (2019)



Se existe um “big four” do rock nacional no gosto popular, podemos dizer que o Barão Vermelho nunca deixará de fazer parte desse grupo, especialmente por causa dos três excelentes álbuns lançados com Cazuza nos anos 80. A posterior fase com Frejat nos vocais trouxe momentos de qualidade um pouco mais variável, mas quase sempre com elegância e dignidade. Após um hiato significativo, a banda voltou à ativa com Rodrigo Suricato nos vocais, e finalmente lançou o primeiro álbum dessa nova fase: “Viva” (2019).

Aqui, temos apenas 31 minutos de espontaneidade, melodias simples e despretensão... para o bem e para o mal. O som é de um pop/rock eletroacústico que não se distancia de álbuns com o Frejat - como “Supermercados da Vida” e “Barão Vermelho 2004” -, e ainda bem revestido com guitarrinhas marotas à la Rolling Stones. As letras são bem intencionadas em sua vibe ensolarada e positiva, mas desprovidas da poesia cheia de “cores” que encontrávamos nos sons com o Cazuza. E a voz de Suricato, apesar de ser ok, não vai muito além das primeiras marchas...

Faixas como a semi-balada “A Solidão Te Engole Vivo” e o power pop “Por Onde Eu For” possuem uma boa pegada roqueira, mas parecem apenas regurgitar a essência do Frejat. E a faixa “Jeito” é um pop/rock feito de qualquer jeito (sem perdão do trocadilho), e com letras que só o Jota Quest aprovaria. Temos sim algumas músicas bem melhores: a ótima “Tudo Por Nós 2”, que é um quase hard rock melódico de energia contagiante, e a excelente “Vai Ser Melhor Assim”, que chama a atenção pelo ritmo pulsante e instrumental com pequenos ecos de Deep Purple.

Entre as baladas, dois destaques melancólicos: a levemente blueseira “Um Dia Igual Ao Outro” e a tocante “Castelos”, que remetem a um Cazuza regado a álcool em fim de noite. E o folk simplório “Pra Não Te Perder” tem algo de singelo na bela performance vocal de Suricato (e com uma boa participação sóbria da doidinha Letrux). Já o momento mais ousado é “Eu Nunca Estou Só”, que traz resultados irregulares em sua mistura de southern rock tupiniquim, produção moderna, versos redundantes, e um trecho de rap (cantado pelo BK) que ninguém pediu.

Nota-se que os membros fundadores Guto Goffi (bateria) e Maurício Barros (teclado) se divertem em seus instrumentos, mas o cantor Suricato nunca parece muito bem encaixado no conjunto, especialmente pelo fato de os melhores momentos aqui serem de uma atitude rocker que não é sua praia. Ainda assim, “Viva” é um álbum necessário, seja pelo som acessível e feliz, pela superioridade a alguns dos discos lançados com o Frejat, ou por trazer vida a uma banda que estava afundada em naftalina. E que o Barão Vermelho continue voando por aí...

Nota: 6

Por Fábio Cavalcanti

Músicas:
1. Eu Nunca Estou Só
2. Por Onde Eu For
3. Jeito
4. Tudo Por Nós 2
5. Um Dia Igual Ao Outro
6. Vai Ser Melhor Assim
7. Castelos
8. A Solidão Te Engole Vivo
9. Pra Não Te Perder

13 de agosto de 2019

Resenha: "ERA UMA VEZ EM... HOLLYWOOD" (2019) [sem spoilers]



Todos nós sabemos que Quentin Tarantino é um eterno apaixonado pela sétima arte. De forma tão ousada, e às vezes irresponsável, o diretor sempre fez dos seus filmes uma verdadeira salada ácida de gêneros, referências e homenagens ao universo "pop". No seu novo filme “Era Uma Vez em... Hollywood” temos sua versão mais humana, sutil e amadurecida, em cima de uma história agridoce que merece tal abordagem.

A trama gira em torno do ator decadente Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e seu amigo dublê Cliff Booth (Brad Pitt), dupla que tenta se adaptar a uma Hollywood que passa por mudanças sociais e culturais, às vésperas de uma tragédia (esta ocorrida na vida real) que foi orquestrada pela “família Manson”. Tarantino nos coloca numa corda bamba emocional, oscilante entre a inocência cinematográfica daquela "terra dos sonhos", e o inevitável cinismo que começa a surgir após seu lado obscuro começar a ganhar forma...

Los Angeles é retratada com cores quentes, as quais se entrelaçam com o calor humano fornecido pelos personagens. Não à toa, as performances de Leonardo DiCaprio e Brad Pitt são hipnotizantes e recheadas de nuances, tanto nos momentos cômicos como nos momentos dramáticos – e arrisco dizer que Pitt chega a quase roubar o filme para si. E Margot Robbie interpreta a saudosa atriz Sharon Tate de forma quase lúdica, como uma representação da imagem romantizada que temos de Hollywood. Há ainda uma galeria de personagens “secundários” que, de forma um tanto episódica, deixam sua marca pitoresca na tela.

Porém, nem tudo é perfeito, pois há um exagero na quantidade de homenagens cinematográficas que “apenas os fortes entenderão”. Os diálogos também não atingem sempre a genialidade trivial que costumava nos prender em cada cena da filmografia do diretor. Após alguma irregularidade narrativa, entramos no último terço do filme, no qual a tensão e suspense dominam de vez as nossas expectativas, e no qual temos também uma memorável e audaciosa cena dentro de uma casa – uma pequena obra prima por si só, “directed by Quentin Tarantino”.

Pequenas falhas à parte, “Era Uma Vez em... Hollywood” é um filme diferenciado de um diretor que costuma ser acusado de se repetir nas suas obras. Da comédia ao drama e suspense, passando pela declaração nostálgica de amor ao cinema, Tarantino faz deste o seu filme mais homogêneo e menos exagerado... e possivelmente, uma alusão tocante a qualquer pessoa que esteja prestes a entrar na fase mais decadente da vida. De alguma forma, podemos nos identificar com a tristeza de Rick Dalton, e podemos ver também a face real de Hollywood.

Nota: 7

Por Fábio Cavalcanti

9 de agosto de 2019

Resenha: "SLIPKNOT - WE ARE NOT YOUR KIND" (2019)



O Slipknot nunca foi uma banda marcada por qualquer senso de otimismo e positividade, desde o seu já clássico álbum de estreia, lançado há exatos 20 anos. O trunfo desses norte-americanos mascarados sempre foi o caos e a angústia, revestidos pela sua já conhecida mistura de ‘nu metal’, thrash metal e alguns toques alternativos. Seu novo álbum é o “We Are Not Your Kind” (2019), o qual prova que esse grande circo ainda pode encontrar novas formas de nos apresentar o seu bom e velho exorcismo sônico.

O vocalista Corey Taylor passou por maus bocados nos últimos anos, e isso influenciou na essência quase maníaco-depressiva do novo disco, com músicas que falam sobre a tentativa ferrenha – e nem sempre bem-sucedida - de derrotar a depressão ou aprender a conviver com a mesma. O ótimo single “Unsainted” é uma ode às forças psicológicas renovadas, e ainda traz um coro ironicamente angelical como plano de fundo para uma brutalidade sonora que nos lembra do seguinte: para sobreviver, também temos que mostrar nosso lado malvado.

O som do grupo continua bastante nervoso, mas também com algumas inesperadas “baladas”, além de um destaque percussivo que há tempos não se fazia tão inspirado e harmonioso no conjunto. A excelente produção faz as guitarras de Jim Root e Mick Thomson se entrelaçarem de forma mais nítida do que de costume, e até os toques eletrônicos conseguem evocar uma boa ambientação à la “filme trash das antigas” – como na faixa “Spiders”. E Corey canta – ou berra - com versatilidade e vontade de deixar uma nova marca definitiva dentro do heavy metal.

“Birth of the Cruel” e “Red Flag” são pedradas espontâneas que podem derrubar as estruturas de qualquer show. Já a intrigante “Critical Darling” evoca novamente a alternância entre peso e melodia. A excelente “Nero Forte” traz alguma esquisitice melódica e rítmica, enquanto que a quase gótica “A Liar's Funeral” é um irresistível convite ao fundo do poço. Claro, como nem tudo são flores em um disco abrangente, temos também pontos fracos, como o tédio atmosférico de “My Pain” e o lugar-comum suicida de “Not Long for This World”.

Por fim, a excelente e arrepiante “Solway Firth” praticamente define o álbum, com o seu peso quase progressivo, e com letras sobre a falsa felicidade que as pessoas exigem dos depressivos. Com isso, temos em “We Are Not Your Kind” um Slipknot de transparência emocional absoluta, através de altos e baixos – em som e letras – que dialogam com os nossos demônios internos. A numerosa trupe de Corey Taylor e Shawn Crahan entregou um dos seus três melhores discos, e está pronta para adentrar a reta final de uma turbulenta carreira musical...

Nota: 8

Por Fábio Cavalcanti

Músicas:
1. Insert Coin [vinheta]
2. Unsainted
3. Birth of the Cruel
4. Death Because of Death [vinheta]
5. Nero Forte
6. Critical Darling
7. A Liar's Funeral
8. Red Flag
9. What's Next [vinheta]
10. Spiders
11. Orphan
12. My Pain
13. Not Long for This World
14. Solway Firth