30 de outubro de 2019

Resenha: "O EXTERMINADOR DO FUTURO - DESTINO SOMBRIO" (2019) [sem spoilers]



Já se passaram 35 anos desde que o diretor James Cameron sacudiu os gêneros de ficção científica e ação bombástica, através do primeiro filme da extensa franquia “O Exterminador do Futuro”. Após três sequências que não trouxeram resultados tão satisfatórios quanto o dos dois primeiros exemplares, o diretor Tim Miller (de Deadpool) uniu forças ao próprio Cameron para criar toda uma nova história que se passa após o segundo filme. Com isso, temos “O Exterminador do Futuro - Destino Sombrio” (2019), o “terceiro” capítulo da saga.

Na história, Sarah Connor (Linda Hamilton) e a ciborgue Grace (Mackenzie Davis) tentam impedir um novo Exterminador (Gabriel Luna) que veio do futuro para matar a importante humana Dani (Natalia Reyes). Os subtextos continuam sendo aqueles sobre os perigos da tecnologia, e sobre os paradigmas de um futuro distópico dominado pelas máquinas, além de alguns papos sobre escolha e destino. O roteiro repete vários elementos dos dois primeiros filmes, e se alterna entre acertos e erros de execução: por um lado, há consistência em determinadas explicações, e do outro, ainda traz as típicas falhas lógicas sobre viagens no tempo, além de apresentar algumas reviravoltas e decisões que soam aleatórias.

Linda Hamilton continua sendo a mesma Sarah ‘badass’ e cínica do segundo filme, e brilha em cada um dos seus momentos em tela. Arnold Schwarzenegger, o epicentro da franquia, ressurge como o T-800 num contexto que não apenas funciona em termos narrativos como nos leva a apreciar as novas facetas do seu personagem. Mackenzie Davis e Natalia Reyes são muito bem-sucedidas em suas atuações, num roteiro que traz total importância para as suas personagens. E o vilão feito pelo Gabriel Luna é ameaçador o bastante, e tem lá suas próprias sutilezas.

A direção de Miller está longe de ser única e marcante a nível estético ou sonoro, mas é de tirar o fôlego nas empolgantes e incansáveis cenas de ação, as quais surgem sem nunca ofuscar o também extenso lado dramático da história. Destaque para a já memorável perseguição numa estrada do México, além dos tiroteios e pancadarias envolvendo Hamilton ou Schwarzenegger, momentos em que você fará uma viagem no tempo para o cinema “brucutu” dos anos 80 e 90.

Sim, “Destino Sombrio” conseguiu exterminar com sucesso as três continuações de qualidade discutível da franquia “Exterminador do Futuro”, mesmo sem possuir uma quantidade tão significativa de novos elementos. De toda forma, a alma dos primeiros filmes foi recapturada com dignidade, o senso de diversão pipoca com algum conteúdo voltou em grande estilo, e a representatividade feminina é bacana. Estaremos bem servidos se a franquia seguir uma clássica frase que, nesse filme, foi proferida pelo Arnold de forma diferente: eu não voltarei.

Nota: 7

Por Fábio Cavalcanti

25 de outubro de 2019

Resenha: "NEIL YOUNG - COLORADO" (2019)



O cantor e compositor Neil Young, que agora está no alto dos seus 73 anos de idade, poderia estar lançando álbuns no piloto automático. Ao contrário de todas as expectativas, ele continuou inquieto e entregou discos que vão além do folk rock – acústico ou elétrico – que permeou seus discos clássicos dos anos 60 e 70. Após trabalhos recentes, com sonoridades que não deram muito certo em termos de qualidade, o nosso querido velhinho retornou para sua banda de apoio Crazy Horse, e lançou seu trigésimo nono álbum: “Colorado” (2019).

Dessa vez, o canadense apenas juntou num caldeirão o melhor do folk e rock quase arrastados (no bom sentido) que encontramos em excelentes álbuns gravados com a banda em questão, como “Everybody Knows This Is Nowhere” (1969) e “Greendale” (2003). As guitarras sujas são predominantes, e ainda assim há um equilíbrio entre aspereza e beleza, como se fosse possível ser ácido e crítico sem perder a compostura. E Young não esconde sua voz mais envelhecida, muito menos os pequenos erros de execução das músicas, algo que confere espontaneidade ao trabalho.

As letras são um capítulo à parte, pois vão de questões ambientais a críticas políticas que dariam nos nervos dos conservadores... além dos eventuais momentos de romantismo sincero. A ótima e comovente “Rainbow of Colors”, por exemplo, é quase um pequeno hino a favor da diversidade em nossa sociedade. E no outro extremo, as excelentes e pesadas "Help Me Lose My Mind" e "Shut It Down" são raivosas, densas, e objetivas no seu tom de protesto.

“Think of Me” é um country rock que traz um pouco da adorável inocência dos tempos do Neil no grupo Crosby, Stills, Nash & Young. E a enorme “She Showed Me Love” é uma ótima música voltada a uma estrutura de ‘jam’ letárgica e hipnotizante (um tipo de canção que sempre apareceu nos álbuns da banda). O folk rock “Eternity” e a balada acústica “I Do” são lindos momentos mais intimistas, e ainda nos fazem querer passar as férias numa fazenda.

Pode-se dizer que “Colorado” é um retorno à boa forma de Neil Young, e está próximo do nível de qualidade dos seus clássicos. E a Crazy Horse está bem afiada, especialmente o guitarrista (e às vezes pianista) Nils Lofgren. Os pontos medianos são apenas as faixas “Olden Days” e “Milky Way”, que possuem harmonias meio desencaixadas, e perdem um pouco do aspecto singelo que prometiam a princípio. Seja como for, temos aqui um artista que não perdeu a capacidade de questionar o nosso atual mundo sombrio. Esperemos que Young continue jovem de espírito!

Nota: 8

Por Fábio Cavalcanti

Músicas:
1. Think of Me
2. She Showed Me Love
3. Olden Days
4. Help Me Lose My Mind
5. Green Is Blue
6. Shut It Down
7. Milky Way
8. Eternity
9. Rainbow of Colors
10. I Do

18 de outubro de 2019

Resenha: "ALTER BRIDGE - WALK THE SKY" (2019)



Quem não lembra do final dos anos 90 e início da década passada, em que o rock ainda fazia sucesso comercial? Nessa época, houve a explosão do Creed, uma banda norte-americana de pós-grunge que gerou um misto de admiração e irritação entre o público. Após o seu término, os seus três instrumentistas se uniram ao vocalista Myles Kennedy, e montaram um combo sônico mais forte e virtuoso chamado Alter Bridge, o qual trouxe agora em seu sexto álbum “Walk the Sky” (2019) um estilo ainda mais distante daquela outra banda...

Aqui, Kennedy não apenas atinge uma maior versatilidade em seu típico vocal agudo, como também entrelaça suas emoções com as guitarras furiosas e catárticas de Mark Tremonti. E a cozinha de Brian Marshall (baixo) e Scott Phillips (bateria) traz coesão e grooves na medida certa, sem exibicionismos. Enquanto o som é mais sombrio e exótico do que de costume, as letras conferem maior dose de força e esperança para vencermos as batalhas contra nossos demônios internos, algo bem explicitado por exemplo nas belas baladas “The Bitter End” e “Dying Light”.

O ótimo e pesado single “Wouldn't You Rather” possui harmonias bem sacadas, uma letra levemente otimista, e um sutil background sinfônico que também é uma das marcas do álbum. As coisas ficam ainda mais interessantes na cadenciada “In the Deep”, que chega a lembrar alguns dos sons mais melódicos e amadurecidos do guitarrista Slash (carreira solo onde Myles Kennedy também é vocalista). As arrepiantes “Native Son” e “Pay No Mind” também estão entre as melhores músicas, graças a uma essência duplamente densa e fantasmagórica.

Entre os momentos diferenciados, temos a boa “Godspeed”, que une sintetizadores a uma temática mais alegre, e soa como uma espécie de The Killers em versão hard rock. A excelente “Forever Falling” é mais melancólica e intrincada, e nos faz pensar em como o Chris Cornell se sairia num suposto álbum solo de metal alternativo. Já entre os pontos negativos, cito a irregular “Take the Crown”, que une um verso inspirado a um refrão mediano e deslocado. E “Tear Us Apart” é um pop/rock genérico que parece um Goo Goo Dolls asfixiado em hélio.

No fim, “Walk the Sky” é um álbum que esbanja inspiração do Alter Bridge. Além das letras voltadas à resiliência, a atmosfera sonora pode remeter a uma espécie de filme de terror das antigas. E independente das pequenas mudanças, a banda continua pesada e vigorosa no seu misto de pós-grunge e metal alternativo. Este não é um trabalho superior ao marcante “Blackbird” (2007), mas possui a ousadia do “Fortress” (2013) e é forte concorrente ao posto de segundo colocado na discografia de Tremonti, Kennedy e companhia. O céu é o limite!

Nota: 9

Por Fábio Cavalcanti

Músicas:
1. One Life [vinheta]
2. Wouldn't You Rather
3. In the Deep
4. Godspeed
5. Native Son
6. Take the Crown
7. Indoctrination
8. The Bitter End
9. Pay No Mind
10. Forever Falling
11. Clear Horizon
12. Walking on the Sky
13. Tear Us Apart
14. Dying Light

11 de outubro de 2019

Resenha: "EL CAMINO - A BREAKING BAD FILM" (2019, Netflix) [sem spoilers]



Para muita gente, Breaking Bad é uma das séries dramáticas mais criativas e intensas dos últimos anos. Porém, seu último episódio deixou uma pequena ponta solta quanto ao destino do querido personagem Jesse Pinkman (Aaron Paul), enquanto que Walter White (Bryan Cranston) e outros personagens centrais tiveram seus arcos muito bem finalizados. Tal pendência foi solucionada através do filme “El Camino” (2019), em que a história se passa logo após aquele marcante episódio.

Jesse nos é apresentado já como um fugitivo, e como alguém que deseja superar o passado e encontrar um novo caminho após ter cometido sua parcela de crimes. Assim como ocorria na série, o diretor Vince Gilligan apresenta uma narrativa crescente, sem apelações, e que transita bem entre o drama e o suspense policial. Há mensagens sobre as consequências da vida criminosa, estresse pós-traumático, e sobre a extrema dificuldade – ou impossibilidade – de retomar o controle da vida após certas situações...

Como Jesse é o centro da narrativa, há algumas falhas de condução no sentido de que todos os outros personagens se tornam episódicos – e consequentemente, esquecíveis para qualquer pessoa pouco familiarizada com a série. Aaron Paul faz uma atuação excelente em termos de angústia total, intensificada pelos bons flashbacks que nos mostram não apenas como o personagem mudou bastante ao longo de sua jornada, como também evidenciam a necessidade de uma ruptura com o seu “inocente” passado.

Gilligan ainda nos apresenta uma direção que encontra vida em meio a uma ambientação mais sombria do que de costume, e sem abrir mão de suas rimas visuais e narrativas, além de outros pequenos elementos que se tornam partes importantes do filme. Infelizmente, ele não fornece o mesmo senso de perigo que nos prendia na maioria dos episódios da série, exceto por alguns vislumbres bem interessantes dos seus melhores momentos – como, por exemplo, em uma cena tensa de confronto que remete diretamente ao faroeste.

Sim, “El Camino” é um filme digno, bem amarrado e respeitoso com o legado de Breaking Bad, especialmente quando dá total razão a uma simples frase dita por Mike (Jonathan Banks) logo no início do filme: “você nunca vai conseguir fazer o certo”. Só faltou um “algo mais” para que pudesse ir além de um quase ‘fan service’... o que é compreensível até certo ponto, pois nós amamos Jesse Pinkman. A mensagem universal dessa franquia ainda pode ressoar por muito tempo, pois todos nós devemos lidar com as consequências dos nossos atos.

Nota: 7

Por Fábio Cavalcanti

Resenha: "HUMBERTO GESSINGER - NÃO VEJO A HORA" (2019)



Humberto Gessinger é o tipo de artista que poderia ser citado como um dos veteranos que não tem mais o que provar no rock nacional. Ainda assim, desde o fim dos Engenheiros do Hawaii, o cantor encontrou um novo ritmo de trabalho, e mantém uma carreira solo que junta o seu passado e o seu presente num grande pacote eclético. No seu primeiro álbum solo, “Insular” (2013), ele entregou uma sonoridade sofisticada e indefinida ao mesmo tempo. Já em seu novo álbum, “Não Vejo a Hora” (2019), a ‘vibe’ é de relativa diversão e espontaneidade.

Logo de cara, o ótimo rock “Partiu” nos coloca na “infinita highway” de Gessinger, com alguns ecos de “Até O Fim” (dos Engenheiros), e com um nível de concisão harmônica que dá o tom do disco. Sim, o compositor continua existencialista em suas letras, e não abre mão dos jogos com as palavras e os sentidos, muito menos das referências literárias e musicais em suas temáticas. O diferencial está na parte instrumental, e na forma como ele usa e abusa de dois tipos de power trio: um elétrico, na maioria das canções, e um acústico em outras...

Voltando à estrada dos sons elétricos, temos o razoável pop/rock “Um Dia De Cada Vez”, que parece ter sido feito para ser lançado como um single inofensivo. Pode-se notar mais substância e nuances em “Algum Algoritmo” e “Calmo Em Estolcomo”, que evocam um pouco do Engenheiros do Hawaii mais oitentista.

A vibrante semi-balada “Olhou Pro Lado, Viu” é um dos raros momentos de maior pegada e peso, e ainda oferece alguns toques progressivos. A peculiar e soturna “Outro Nada” é também bastante inspirada, e soa como uma espécie de Blue Öyster Cult influenciado pela milonga. As influências regionais sulistas ainda mostram as caras novamente na boa “Missão”, que puxa algo do estilo do álbum “Gessinger, Licks & Maltz” (1992).

No setor acústico, guiado por violões e acordeom, Gessinger conseguiu o incomum efeito de soar despretensioso em suas incursões de folk regional, como podemos notar nas canções meio irmãs “Fetiche Estranho” e “Estranho Fetiche” – sendo a segunda delas a mais divertida. E “Bem A Fim” é talvez o momento mais bonitinho do disco, com direito a uma letra multifacetada.

“Não Vejo a Hora” é um álbum que consegue soar simples, mas sem perder a típica sofisticação do Humberto Gessinger. Ainda que não traga canções espetaculares, o fato é que todas apresentam algo de bacana nas entrelinhas e nos arranjos, além de uma performance vocal que deixa bem claro o nível de tranquilidade e otimismo em que o artista se encontra. Se ele não via a hora de entregar um álbum mais direto, nós não vemos a hora de ouvir o próximo...

Nota: 8

Por Fábio Cavalcanti

Músicas:
1. Partiu
2. Um Dia De Cada Vez
3. Bem A Fim
4. Algum Algoritmo
5. Calmo Em Estolcomo
6. Olhou Pro Lado, Viu
7. Fetiche Estranho
8. Maioral
9. Estranho Fetiche
10. Outro Nada
11. Missão

9 de outubro de 2019

Resenha: "PROJETO GEMINI" (2019) [sem spoilers]



Quem não gosta de um bom filme que misture ação bombástica, drama, ficção científica e Will Smith? Em “Projeto Gemini” (2019), novo trabalho do consagrado diretor Ang Lee, temos essa fórmula em versão duplicada, visto que o protagonista é apresentado como dois personagens: o indivíduo original e o seu jovem clone. Porém, ao contrário de outros exemplares semelhantes dos gêneros supracitados, o resultado aqui é bastante irregular em termos narrativos.

Na história, Henry Brogan (Smith) é um veterano assassino de elite que tenta se aposentar, mas logo se torna o alvo de um jovem clone seu, o qual se mostra um agente igualmente habilidoso e fatal. De forma inesperada, o diretor Ang Lee entrega ótimas, empolgantes e bem editadas cenas de ação – com destaque para o extenso e arrepiante confronto inicial entre os “dois” protagonistas. E Will Smith faz uma atuação cativante, intensa, e com nuances específicas de personalidade para as suas duas versões, o que gera uma aura hipnótica nos bons momentos de interação entre os dois personagens.

No mais, temos uma trama que desenvolve com desinteresse alguns subtextos batidos, como as conspirações de espionagem, e os perigos da biotecnologia para uso militar. Para piorar, é exigido do espectador um nível absurdo de suspensão de descrença, especialmente quando devemos acreditar que um clone nascerá com o mesmo dom do indivíduo original. De sobra, a personagem de Mary Elizabeth Winstead tem poucos momentos de força e destaque, e Clive Owen faz um vilão que falha na tentativa de ser um Tommy Lee Jones “sensível”.

Na parte emocional, há alguns competentes momentos daquele bom e velho Ang Lee dramático, quando este aborda as consequências psicológicas e familiares de um emprego que envolve frieza absoluta. E, ainda que o roteiro se torne previsível a partir de certo ponto, a conclusão dos arcos dos dois personagens é levemente satisfatória... e pode ser até comovente, para alguns espectadores.

No fim, “Projeto Gemini” é um clone clichê de outros filmes – em especial, das grandes obras ‘blockbuster’ dos anos 90 que também foram produzidas pelo Jerry Bruckheimer. Mesmo assim, ele é de uma diversão razoável e otimista para um fim de semana regado a bastante pipoca. Se for possível ignorar as várias falhas de roteiro, aprecie o seu visual impecável, os momentos da tríade “tiros/porradas/explosões”, a trilha sonora marcante, os incríveis efeitos especiais de “rejuvenescimento”, e cada um dos momentos de Will Smith e Will Smith em tela.

Nota: 6

Por Fábio Cavalcanti

1 de outubro de 2019

Resenha: "CORINGA" (2019) [sem spoilers]



O Coringa é possivelmente o vilão mais apreciado do grande universo do Batman, seja nos quadrinhos ou nas adaptações cinematográficas do herói. Seu anarquismo e sua insanidade o colocaram num patamar de misticismo que, até então, dispensou a necessidade de uma história de origem bem detalhada. Agora, finalmente temos uma imaginação bastante humanizada dessa origem, representada no tenso e dramático filme “Coringa” (2019).

A história se passa na Gotham City dos anos 1980, e nos apresenta o Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) como um comediante fracassado que tenta se sobressair em meio a seus problemas psicológicos, e em meio a uma sociedade que o rejeita. Alguns elementos da graphic novel “A Piada Mortal” são usados, mas o diretor Todd Phillips cria seu próprio universo hermético, com várias cenas e elementos narrativos que não escondem nem um pouco as influências dos filmes “Taxi Driver” e “O Rei da Comédia” (ambos de Martin Scorsese).

O tom geral da obra é muito mais melancólico do que irreverente, como representação da falta de talento cômico do protagonista. Há um estudo intrigante sobre depressão, inseguranças, traumas familiares, esquizofrenia, e sobre como podemos adquirir um cinismo e egocentrismo perigosos quando notamos a total falta de empatia que nos rodeia diariamente. Phillips evoca um desconforto que transforma a experiência em algo bastante claustrofóbico, seja através de suas cores fortes, ou por sons que dialogam com o estado mental do personagem.

Sim, tudo gira em torno de Arthur Fleck, que é interpretado aqui por um Joaquin Phoenix intenso, multifacetado, e digno de Oscar! Ele caminha por uma Gotham que é tão suja quanto Nova York, e vai chafurdando gradualmente em sua própria sujeira, à medida que acumula fracassos e frustrações. Sua mãe, interpretada por uma misteriosa Frances Conroy, não chega a ser memorável mas possui utilidade narrativa. E Robert De Niro, divertidíssimo, faz aqui um apresentador de televisão que acaba sendo o catalisador de algumas reviravoltas importantes...

No fundo, “Coringa” não romantiza a psicopatia e o crime, e nem apela para o ‘fan service’ em torno da personalidade final do personagem. É um drama violento sobre um ser humano ainda oscilante e instável, rumo a um destino que nos trará a seguinte reflexão moral ambígua: será que ele se perdeu, ou se encontrou? O ato final do filme é excepcional, gera um gostinho de “quero mais”, e faz valer até algumas redundâncias de autopiedade no roteiro. Talvez a vida tenha que ser mesmo uma comédia, afinal.

Nota: 9

Por Fábio Cavalcanti