20 de setembro de 2019

Resenha: "LIAM GALLAGHER - WHY ME? WHY NOT." (2019)



O Oasis sempre foi marcado pela rivalidade entre os irmãos Gallagher, especialmente durante os tempos áureos da banda, ainda nos anos 90. Dez anos após o fim do grupo mais icônico do movimento britpop, temos uma boa quantidade de álbuns lançados pelos dois em seus respectivos trampos, o que afasta ainda mais os planos de uma reunião. Agora, o vocalista Liam Gallagher lançou seu segundo álbum solo, “Why Me? Why Not.” (2019), no qual se estabelece e ainda aborda algumas de suas pendências emocionais e familiares.

O novo trabalho é de uma simplicidade assumida, tanto nas predominantes baladas quanto nos eventuais rocks, e descaradamente voltado ao som dos anos 60 e 70 – em especial ao som dos Beatles, claro. As guitarras e violões se entrelaçam na maioria das músicas, e temos arranjos de cordas que evocam um pouquinho da pompa presente nos trabalhos do seu irmão Noel. Os vocais estão bem equilibrados (na medida do possível), e as letras abordam temas intimistas com um adorável misto de esperança e ingenuidade.

A ótima “One of Us”, por exemplo, lembra a própria vertente eletroacústica e melancólica do Oasis, e tem em sua letra uma tentativa clara de reconciliação com seu irmão. A belíssima “Meadow” vai ainda mais longe, e evoca um pouco de George Harrison em suas melodias criativas e clima bucólico. A boa e soturna faixa-título é grandiosa e texturizada, ideal para te levar a uma viagem mais transcendental. E a comovente “Once” traz pitadas de John Lennon, em cima de uma linda letra sobre nostalgia e inocência.

Entre os rocks, temos a direta “Halo”, que arrepia com suas guitarras e pianos, além de um refrão com harmonias bastante inspiradas. Já “The River” é uma pedrada que mistura letras quase políticas (sim, para o povão) com melodias psicodélicas reminiscentes dos últimos trabalhos do Oasis. E a melhor faixa é o eletrizante single “Shockwave”, um glam rock blueseiro à la T. Rex, e que traz uma temática muito bem sacada sobre karma na própria vida do cantor.

Há também alguns destaques negativos. Por exemplo, a balada sombria “Gone” não consegue ir muito além da sua razoável atmosfera cinemática. E “Now That I've Found You” é um power pop tão polido e forçado que soa como o Badfinger tocando num comercial de laxante.

No balanço geral, “Why Me? Why Not.” é o trabalho mais forte e consistente de Liam Gallagher, e traz um alto nível de profundidade sonora e temática. Acima de tudo, ele celebra a boa e velha zona “retrô” de conforto do rock. Como o próprio Liam declarou: “As pessoas me mandam sair da zona de conforto. Pra quê? Encontre um assento confortável e curta a vida”. Dito e feito.

Nota: 8

Por Fábio Cavalcanti

Músicas:
1. Shockwave
2. One of Us
3. Once
4. Now That I've Found You
5. Halo
6. Why Me? Why Not.
7. Be Still
8. Alright Now
9. Meadow
10. The River
11. Gone

13 de setembro de 2019

Resenha: "KORN - THE NOTHING" (2019)



Se existe um gênero musical norte-americano que, ao longo dos anos 90 e 2000, gerou simpatia e repulsa em igual quantidade, este é o 'nu metal'. Uma das bandas pioneiras nesse movimento é o Korn, a qual levou suas baixas afinações, melodias quase percussivas, e letras atormentadas a um espaço definitivo no rock clássico. Quase 25 anos após o lançamento do seu influente álbum de estreia, o quinteto entrega seu décimo terceiro trabalho, intitulado “The Nothing” (2019).

O Korn nunca se afastou tanto da sua essência (salve raras exceções), mas aqui eles elevam o clima de pesadelo à enésima potência. O cantor Jonathan Davis passou por problemas pessoais intensos, incluindo a morte de sua ex-esposa, o que resultou em letras fortes sobre traumas (antigos e novos), aflição, sentimento de culpa, e conflitos cada vez piores com seus demônios internos. Toda essa catarse resultou na melhor e mais variada performance vocal de sua carreira, algo intensificado por uma produção que acerta ao ser limpa e cheia de camadas.

A banda entende a fragilidade emocional do cantor, e faz o melhor possível para entregar uma experiência sônica completa, seja na excepcional variação de grooves por parte do baterista Ray Luzier, ou nas boas curvas harmônicas por parte dos guitarristas James Shaffer e Brian Welch, além do pulsante baixo de Reginald Arvizu. “Cold”, por exemplo, é uma ótima música que exprime peso, angústia e versatilidade rítmica na medida certa. Já o bom e melódico single “You'll Never Find Me” é mais simples e direto, e possui um refrão grudento.

A excelente “The Darkness Is Revealing” é soturna e certeira no ‘feeling’ do grupo todo. Já “Idiosyncrasy” e “H@rd3r” são intrincadas, intrigantes e arrepiantes. “The Ringmaster” une sua adorável esquisitice a letras que nos colocam como vítimas de um monstro à la ‘IT’, enquanto que “This Loss” é de uma melancolia que fala sobre nossas partes emocionais que não tem mais conserto. Já entre as baladas, os resultados são irregulares: a tocante “Surrender to Failure” lembra boas faixas suaves do Nine Inch Nails, enquanto que “Can You Hear Me” soa genérica.

No final das contas, podemos notar em “The Nothing” um Korn que evoca um pouco de álbuns como “Issues” (1999) e “The Serenity of Suffering” (2016), porém numa versão em que peso e groove são usados a serviço de um clima mais sombrio e pessimista. O senso de perda fez com que Davis e companhia entregassem algumas de suas melhores músicas, ainda que tenhamos duas ou três faixas fracas no conjunto. Em suma, esse álbum é como um pedido de socorro, e que pode ser resumido pela preocupante linha de uma de suas letras: eu não estou bem.

Nota: 8

Por Fábio Cavalcanti

Músicas:
1. The End Begins [vinheta]
2. Cold
3. You'll Never Find Me
4. The Darkness Is Revealing
5. Idiosyncrasy
6. The Seduction of Indulgence [vinheta]
7. Finally Free
8. Can You Hear Me
9. The Ringmaster
10. Gravity of Discomfort
11. H@rd3r
12. This Loss
13. Surrender to Failure

11 de setembro de 2019

Resenha: "MIDSOMMAR - O MAL NÃO ESPERA A NOITE" (2019) [sem spoilers]



Se você não esteve alheio aos gêneros de suspense e terror psicológico nos últimos anos, deve ter assistido a "Hereditário" ou pelo menos ouviu falar no nome do seu promissor diretor, Ari Aster. Em seu novo filme, intitulado "Midsommar: O Mal Não Espera a Noite" (2019), somos levados a uma jornada hipnotizante e macabra de redescoberta pessoal, familiar e espiritual, juntamente com reflexões sagazes sobre sexualidade.

A história gira em torno de Dani, que após uma tragédia pessoal, vai com o namorado Christian e um grupo de amigos até a Suécia para participar de um festival interiorano de verão, onde acabam presenciando um culto sinistro. Apesar deste filme pertencer a um subgênero chamado "horror rural", Aster coloca o drama e mistério em primeiro plano, o que traz um ótimo senso de unidade e linearidade para uma trama que lida com problemas de relacionamento (familiares e amorosos) e a necessidade de encontrar novas perspectivas a partir disso tudo.

Florence Pugh entrega uma intensidade excepcional para a sua complexa personagem Dani, que é a força motriz do filme. E Jack Reynor faz do seu Christian um tipo babaca que, de forma funcional à história, nos faz ter algum ódio do seu personagem desde o início. Os outros personagens possuem lá seus momentos - incluindo passagens que beiram o humor negro -, mas acabam tendo funcionalidades que não vão muito além do episódico.

Aster não economiza nos simbolismos, alguns deles óbvios e outros impenetráveis para quem não entende de paganismo e afins. Ainda assim, é fácil encontrar referências cinematográficas que vão de “O Homem de Palha” a “Dogville”, em cima de uma ambientação que gera o sombrio a partir de um céu de claridade quase total. Os excelentes aspectos técnicos de som e imagem também nos causam arrepios em cenas memoráveis, como por exemplo: a que mostra um pós-tragédia, as de rituais com desfechos tensos, ou a de um sexo bem esquisitão.

Apesar de algumas pontas soltas e certa previsibilidade - além de não ser tão assustador quanto “Hereditário” -, o fato é que "Midsommar: O Mal Não Espera a Noite" é um ótimo filme sobre rupturas psicológicas, paradigmas de gênero, e necessidades de pertencimento. É uma narrativa que, lenta e gradualmente, vai te puxando para um pequeno universo bucólico que vai assombrar o seu imaginário durante um bom tempo. Todos nós passamos pelo inferno pessoal de Dani vez ou outra, logo alguns expurgos extremos acabam sendo bastante convidativos...

Nota: 8

Por Fábio Cavalcanti