A idade avançada também traz
suas crises, inseguranças e reflexões constantes sobre vida e morte. A prova
disso está no novo e bom álbum dos roqueiros britânicos do The Who, intitulado
apenas “Who” (2019). Roger Daltrey e Pete Townshend pausaram as turnês que
apenas revisitam o catálogo sessentista e setentista de sua clássica banda, e
decidiram que estava na hora de registrar algo que unificasse o passado e o
presente num mesmo pacote.
Nenhum fã do velho rock
clássico precisa se preocupar, pois a sonoridade do The Who continua calcada em
rocks e baladas, vocais maravilhosamente joviais e teatrais de Daltrey,
guitarras elegantíssimas de Townshend, teclados climáticos, e uma cozinha que
agora fica em segundo plano – quase uma homenagem aos saudosos John Entwistle e
Keith Moon, membros da formação clássica do grupo. O diferencial está mesmo é nas
letras, bastante realistas e atuais.
A ótima “All This Music Must
Fade” inicia o trabalho com ecos do hino “Won't Get Fooled Again”, juntamente
com ritmos intrincados, vocais energéticos, e uma temática bacana sobre plágios
musicais. Outro grande destaque é “Ball and Chain”, um envolvente blues rock
cadenciado e sombrio que discursa sobre os perrengues numa prisão. Fechando a
trinca inicial, “I Don't Wanna Get Wise” é um bom rock retrô com melodias
grudentas, e que traz letras quase autobiográficas sobre as vantagens e
desvantagens do amadurecimento.
A excelente “Detour” é um rock
‘n’ roll divertido e percussivo que mistura o estilo de Bo Diddley com a
própria “Magic Bus” do The Who. A boa e melódica “Street Song” parece ter sido
feita para ecoar em grandes estádios, e nos apresenta a performance vocal mais
arrepiante de Daltrey. Já a morna “Hero Ground Zero” falha um pouco em
relembrar a vibe sinfônica de opera rock à la “Quadrophenia” (1973). Outra
faixa apenas ‘ok’ é “Rockin' in Rage”, que vai da calma soturna à explosão
nervosa, com Townshend e Daltrey buscando alguma revolta na velhice.
Entre os pontos mais fracos,
temos “I'll Be Back”, uma balada de soul pasteurizado que seria no máximo um lado-b
do Simply Red. E a última faixa, o flamenco esquisito “She Rocked My World” é
uma tentativa falha de trazer experimentalismo logo aos 45 minutos do segundo
tempo...
Sim, esse décimo segundo álbum
do The Who é uma mistura de simplicidade com senso de variação, como uma forma
de juntar as meditações da terceira idade com impulsos jovens e questionadores
que não podem morrer. Com ecos em especial dos álbuns “Who’s Next” (1971) e
"Who Are You" (1978), esse “Who” é o melhor dos quatro álbuns
lançados após a morte de Keith Moon, e é um belo suspiro final de uma das
melhores bandas que o rock nos ofereceu.
Nota: 7
Por Fábio Cavalcanti
1. All This Music Must Fade
2. Ball and Chain
3. I Don't Wanna Get Wise
4. Detour
5. Beads on One String
6. Hero Ground Zero
7. Street Song
8. I'll Be Back
9. Break the News
10. Rockin' in Rage
11. She Rocked My World