1 de outubro de 2024

Resenha: "CORINGA - DELÍRIO A DOIS" [sem spoilers]


Frustração será o sentimento quanto a “Coringa: Delírio a Dois” (2024), por parte dos cinéfilos que interpretaram o filme “Coringa” (2019) como um grande manifesto político ou como uma “história de origem” que deveria culminar depois no icônico supervilão da DC como o conhecemos. Além da ideia de que um monstro pode ascender perante uma sociedade indiferente a transtornos mentais, essa nova empreitada do diretor Todd Phillips confirmou o hermetismo ousado e a melancolia devastadora do seu próprio universo.

Dotado de suspense psicológico, dramas de prisão e tribunal, e números musicais, eis o enredo: Arthur Fleck está preso no Asilo Arkham, e se apaixona pela sua admiradora Arlequina enquanto aguarda um julgamento. Joaquin Phoenix fez de “Fleck/Coringa” um ser ainda multifacetado e imprevisível em estabilidade emocional, o que justifica essa segunda história. Lady Gaga, como uma Arlequina que esconde um segredo final, acaba ficando irregularmente sóbria ou esquisita segundo o desenrolar do roteiro.

Os números musicais são uma ponte narrativa para os delírios de Fleck, e são acertadamente “crus” em termos de vocais e estética, ainda que os pontos de vista do casal principal nessas partes fiquem confusos às vezes. Tal elemento desperta inclusive outro subtexto, ligado tanto àquela Gotham - ou E.U.A. em geral - dos anos 1980 quanto à nossa atualidade: o circo gerado pelo sensacionalismo, que pode resultar em obsessões perigosas. O ato final também possui cenas que causam impacto, estejam preparados…

Ao ignorar outra vez a regra de ser fiel às HQs originais, e ao conduzir um roteiro no qual até a inquietante química entre Joaquin Phoenix e Lady Gaga nos lembra de que o personagem central não deve ser romantizado, Todd Phillips fez de “Coringa: Delírio a Dois” um filme também “desbotado” e mais surpreendentemente perturbador do que o primeiro. Para quem na verdade é apenas um indivíduo perdido ou perdedor, ao invés de um super-herói ou supervilão, aceitar a realidade dói menos… ou não.

Nota: 9

Por Fábio Cavalcanti