21 de fevereiro de 2020

Resenha: "OZZY OSBOURNE - ORDINARY MAN"



Muita gente enquadra o veterano cantor britânico Ozzy Osbourne na categoria de artistas que “não precisam mais provar nada”, seja por causa do seu trabalho com o Black Sabbath ou pela fase solo que comporta álbuns clássicos como “Blizzard of Ozz” (1980) e “No More Tears” (1991). Após vários flertes com a morte e com a aposentadoria, eis que o querido velhinho do hard rock e heavy metal apresenta seu testamento derradeiro, no bom álbum “Ordinary Man” (2020).

Aqui, Ozzy mantém o peso habitual, mas numa mistura de rocks e baladas que visam unir todas as suas faces sonoras. As letras seguem um padrão de meditações introspectivas sobre velhice, redenção por excessos do passado e preparação para a morte. Sua voz está envelhecida, mas bem disfarçada – e corrigida - por uma produção que ainda consegue se alternar bem entre a polidez e a aspereza – algo não muito distante do que escutamos no álbum “Scream” (2010). E a banda, que traz o batera Chad Smith (Red Hot Chili Peppers), dá um show à parte...

O trabalho começa bem com a excelente pedrada “Straight To Hell”, uma faixa com generosas influências do Sabbath, solos certeiros do guitarrista Slash, e com uma letra que acaba tendo algo de cômico em sua temática sobre vícios e morte. Outro momento excelente é “Goodbye”, um doom metal também voltado ao estilo de sua ex-banda, e que possui passagens aceleradas bastante arrepiantes! E “Eat Me” é um ótimo hardão com pitadas de stoner rock, perfeita para nos levar num passeio pela vertente mais galhofeira do Ozzy.

A melódica “All My Life” evoca o melhor do estilo do álbum “Ozzmosis” (1995), com um final bastante catártico em termos instrumentais. “Holy For Tonight” é uma boa balada singela e melancólica que transmite bem uma sensação de cansaço, juntamente com aquele lado mais ‘classic rock’ à la Beatles que o nosso velhinho sempre quis explorar melhor. E "Scary Little Green Men" é divertida e animada, com uma participação apenas “ok” do guitarrista Tom Morello.

Entre os principais singles, infelizmente, temos duas baladas irregulares. A biográfica “Ordinary Man” traz, sem tanta inspiração, alguns tons angelicais e influências sutis do Elton John - artista que toca piano e também canta na mesma faixa. Já a sombria “Under The Graveyard” é corajosa em sua letra pessimista, mas soa como uma sobra do já citado álbum de 1995.

Menção desonrosa para as medíocres últimas faixas, “It's A Raid” e “Take What You Want”, as quais podem ou não ser consideradas como “bônus”. Nelas, o rock industrial e o hip hop se misturam, e logo fazemos uma pergunta ao estilo Ozzy sobre o rapper que participa das canções: “Who The Fuck Is Post Malone?”. Seja como for, “Ordinary Man” é um trabalho digno do Ozzy Osbourne, e supera ao menos os seus três álbuns anteriores. Aqui temos as confissões musicais de um cantor marcante do rock e metal, num disco que não esqueceremos tão cedo...

Nota: 7

Por Fábio Cavalcanti

Músicas:
1. Straight To Hell
2. All My Life
3. Goodbye
4. Ordinary Man
5. Under The Graveyard
6. Eat Me
7. Today Is The End
8. Scary Little Green Men
9. Holy For Tonight
10. It's A Raid
11. Take What You Want

7 de fevereiro de 2020

Resenha: "GREEN DAY - FATHER OF ALL..."



Quer você queira ou não, o Green Day já conquistou um espaço no rock clássico, graças aos seus vários hits e a pelo menos três álbuns seminais do tal pop/punk nos anos 90 e década passada. Em seu décimo terceiro álbum, “Father of All Motherfuckers” (2020), o trio californiano aparentemente se despede de sua atual gravadora, mandando um inspirado e irônico “foda-se” a todos os caretas da atualidade.

Aqui, os caras visaram um som diferente: um rock ‘n’ roll espontâneo e polido ao mesmo tempo, unindo abordagens retrô e produção moderna no mesmo pacote. Quase todas as letras são bem-humoradas e ácidas, seja em suas críticas políticas (adivinhem os alvos) ou nos momentos de “crise adolescente de meia-idade”. Entre as acertadas mudanças, o vocalista Billie Joe Armstrong canta com uma voz mais aguda e influenciada pela Motown, enquanto o baixista Mike Dirnt e o baterista Tré Cool se divertem com novas possibilidades de ‘grooves’.

Na ótima faixa-título “Father of All...”, há um belo exemplo da vitamina sonora do disco: das batidas à la “Fire” (do Jimi Hendrix) a uma espécie de indie-punk com temperos de soul sacolejante, pronta para levar sua letra sobre o caos mundial a algum comercial de carro. A também ótima “Fire, Ready, Aim” remete aos singles do The Hives e se mostra eletrizante em cima de sua esperta temática sobre pessoas que tomam atitudes precipitadas.

A bacaníssima “Oh Yeah!” é um glam rock modernoso que aborda a distração das pessoas com mídias sociais num planeta problemático, e ainda traz samples da versão feita pela Joan Jett para a música "Do You Wanna Touch Me" (do condenado cantor Gary Glitter). Outra música de tom político certeiro é a boa “Graffitia”, que junta fatos passados e presentes no mesmo raciocínio social, soando como uma melódica fusão do Bruce Springsteen com o The Clash.

A ótima “I Was a Teenage Teenager” é um indie rock fofinho de letras nostálgicas e guitarras pesadas à la Weezer. A excelente “Stab You in the Heart” é quase um rockabilly meio anos 50, no qual Armstrong encarna com irreverência um personagem misógino e idiota. Entre os pontos fracos, “Meet Me on the Roof” é boba em sua tentativa de levar o ouvinte a um cenário feliz dos anos 60, enquanto que “Junkies on a High” soa como um Imagine Dragons dopado.

“Father of All...” é o início de uma nova e desapegada fase para o Green Day. Seu maior acerto é nos fazer esquecer brevemente de álbuns como "Dookie" (1994) e "American Idiot" (2004), graças às suas novas nuances sonoras e formas frescas de abordar os temas de sempre. Algumas vezes, só precisamos de 26 minutinhos de canções grudentas e dançantes em algum Spotify da vida. Sim, punks de butique também podem ser motherfuckers!

Nota: 8

Por Fábio Cavalcanti

Músicas:
1. Father of All...
2. Fire, Ready, Aim
3. Oh Yeah!
4. Meet Me on the Roof
5. I Was a Teenage Teenager
6. Stab You in the Heart
7. Sugar Youth
8. Junkies on a High
9. Take the Money and Crawl
10. Graffitia

Resenha: "STONE TEMPLE PILOTS - PERDIDA"



Bandas veteranas de rock passam por momentos em que estão perdidos em termos de identidade sonora. Talvez seja o caso recente do Stone Temple Pilots, uma banda estadunidense que sempre esteve - injustamente - na “série B” do grunge e do rock alternativo nos anos 90. Após a morte do cantor original Scott Weiland, o grupo finalmente resolveu processar o luto, aos tropeços, em “Perdida” (2020), o segundo álbum de sua nova encarnação.

O novo cantor Jeff Gutt já havia mostrado uma competência acima da média no álbum autointitulado de 2018, e aqui os irmãos Dean (guitarra) e Robert (baixo) DeLeo o fizeram entregar bons vocais de foco mais introspectivo. O novo álbum possui sonoridade quase totalmente acústica, numa mistura que vai do folk rock setentista ao country alternativo dos anos 2000. A instrumentação ‘vintage’ traz também algumas flautas, pianos e violoncelos, enquanto as letras lidam com sentimentos de perda, falta de rumo e vulnerabilidade.

Na qualidade do trabalho em si, as coisas se mostram pouco memoráveis. Por exemplo, “Three Wishes” é um razoável folk psicodélico de percussão sutil, que soa apenas como algo descartado do álbum “Purple” (1994). “Fare Thee Well” consegue ser um bom folk rock com ecos do Neil Young da era “Harvest” (1972), mas sem tanto brilho em sua letra básica sobre o fim de um relacionamento.

Em dois pontos com influências espanholas, a coisa fica ainda mais deslocada. “Perdida” é de uma melancolia forçada em seus tons quase suicidas, e ainda tenta soar como uma espécie de bolero... sem sucesso. “Miles Away” é possivelmente o ponto mais baixo, pois tenta ser uma valsa de tristeza soturna e só consegue afastar a qualidade musical para milhas de distância...

“Years” é interessante, graças a curvas melódicas inesperadas que são típicas de boas canções da MPB, enquanto que a boba e romântica “She's My Queen” consegue evocar ao menos um clima bacana ao estilo do lado acústico do “Led Zeppelin III”. O maior destaque é o ótimo e etéreo folk rock “I Didn't Know the Time”, uma homenagem direta e singela aos dois cantores que passaram pela banda e já morreram: Weiland e Chester Bennington (Linkin Park).

Encerrando o “Perdida”, temos na também boa “Sunburst” um espírito mais otimista, indicando uma nova manhã e o possível fim da tristeza dos membros do Stone Temple Pilots. Seja como for, esse é um dos trabalhos menos inspirados do grupo nas letras e melodias em si, e não vai além do seu feeling diferenciado. Trata-se de um passeio bucólico e acústico do qual não lembraremos realmente. Esperemos que Gutt e os DeLeo estejam mais inspirados no futuro.

Nota: 6

Por Fábio Cavalcanti

Músicas:
1. Fare Thee Well
2. Three Wishes
3. Perdida
4. I Didn't Know the Time
5. Years
6. She's My Queen
7. Miles Away
8. You Found Yourself While Losing Your Heart
9. I Once Sat at Your Table
10. Sunburst

Resenha: "SEPULTURA - QUADRA"



Existe algo mais intrigante no heavy metal do que uma banda mandando um “so long, suckers” para seus fãs saudosistas? O Sepultura não cansa de fazer isso desde que iniciou sua fase com o cantor Derrick Green, em 1998. Os fãs da fase com o Max (e Igor) Cavalera ainda esperam por um retorno do quarteto mineiro ao thrash metal tradicional dos anos 80 e início dos anos 90, algo que não acontece – mais uma vez – no seu novo e ambicioso trabalho: “Quadra” (2020).

A ótima faixa de abertura “Isolation” é um thrash que une uma essência à la “Arise” (1991) a toques progressivos. Aqui temos o pesado início desse disco conceitual dividido em quatro partes. Em termos de letras, o álbum todo trata de subdivisões geradas por padrões econômicos, político-sociais e religiosos, e sobre a forma como todas as regras limitantes se encontram numa grande encruzilhada - representada aqui pelas tais quatro partes. Em suma, estamos todos aprisionados e ferrados.

Dando continuidade, a excelente “Means to an End” é intrincada, possui uma destreza absurda por parte do baterista Eloy Casagrande, e nos convida para uma bela festa no apocalipse. E a também excelente “Last Time” evoca mais uma vez alguns elementos oitentistas para uni-los a um inesperado e bem sacado interlúdio sinfônico. Aqui se encerra a primeira parte...

A segunda parte é mais suingada e se inicia com outra faixa excepcional: “Capital Enslavement”, um groove metal que unifica as essências dos álbuns “Roots” (1996) e “Machine Messiah” (2017), e com uma mensagem em sua letra que pode gerar boas tretas. Destaco também a ótima “Raging Void”, uma pedrada quase experimental, provida de um ritmo diferenciado que vai entortar a sua cabeça na primeira audição.

As duas partes seguintes funcionam como uma só, pois apresentam o lado mais diversificado dos caras. O razoável metal sinfônico “Guardians of Earth” possui letras e melodias que evocam uma odisseia esquisita. O quase fusion metal “The Pentagram” é um instrumental percussivo e poderoso, e que destaca a guitarra do Andreas. No ato final, boas faixas sombrias e mais cadenciadas: a quase gótica e cinemática “Agony of Defeat”, e o metal alternativo “Fear, Pain, Chaos, Suffering” (com vocais competentes de Emmily Barreto, do Far From Alaska).

“Quadra” é o álbum que eleva a progressividade do “Machine Messiah” à estratosfera. Esse é um dos discos mais multifacetados de Andreas Kisser e sua trupe, e que também nos brinda com uma das mais hipnóticas performances vocais do Derrick... além dos ritmos variados e às vezes tribais do Eloy. O quadrívio thrash metal do Sepultura chegou, e deve ser escutado com atenção!

Nota: 9

Por Fábio Cavalcanti

Músicas:
1. Isolation
2. Means to an End
3. Last Time
4. Capital Enslavement
5. Ali
6. Raging Void
7. Guardians of Earth
8. The Pentagram
9. Autem
10. Quadra [vinheta]
11. Agony of Defeat
12. Fear, Pain, Chaos, Suffering

28 de janeiro de 2020

Resenha: "BAD BOYS PARA SEMPRE" [sem spoilers]



O cinema ‘blockbuster’ dos anos 90 nos presenteou com verdadeiros arrasa-quarteirões de ação policial, incluindo a pequena franquia “Bad Boys”. Mesmo naquela época, o gênero ‘buddy cop’ já estava um pouco defasado, e os dois filmes da saga (especialmente o segundo) não chegaram a atingir seu pleno potencial. Agora temos “Bad Boys Para Sempre” (2020), a obra que finalmente eleva a história dos nossos queridos policiais imorais a outro patamar...

Na narrativa, os parceiros Mike (Will Smith) e Marcus (Martin Lawrence) precisam lidar com a misteriosa motivação da vilanesca família Aretas (Kate del Castillo e Jacob Scipio). O roteiro pode ser de alguma forma simples e clichê, mas os diretores Adil e Bilall nos levam muito além das bombásticas cenas de ação e da comédia propositalmente deslocada que permearam os filmes anteriores. Aqui temos algumas reviravoltas tensas e corajosas, e elementos dramáticos que nunca haviam sido explorados com tanta competência na saga.

Óbvio que a dupla principal ainda é o epicentro do filme. Will Smith e Martin Lawrence apresentam a mesma química maravilhosa de antes, e suas crises da meia-idade os fazem passar por várias mudanças de perspectivas e paradigmas à medida que a história avança. E quando somos informados das reais motivações dos dois quase caricatos vilões, o personagem de Lawrence abraça a autoindulgência ao se referir àquilo como sendo “coisa de novela”... o que ironicamente não tira a intensidade do empolgante ato final do filme.

Somos apresentados também a uma nova e tecnológica divisão policial, da qual se destacam muito mais os seus carismáticos membros secundários do que a sua desinteressante líder Rita (Paola Nuñez). Nesse ponto, o filme pode render ainda boas discussões sobre como unir mentalidades antigas e novas em prol de uma boa polícia na atualidade.

Até mesmo no quesito ação, o novo trabalho supera os anteriores, pois temos finalmente um senso real de perigo. Mike e Marcus não são mais os heróis quase indestrutíveis de outrora, e assim há menos absurdo nos momentos de tiros, pancadaria, perseguições e explosões. E a parte técnica é de alguma forma elegante e bem dosada em seus elementos, sem perder alguns dos padrões estabelecidos anteriormente pelo frenético diretor Michael Bay.

O fato é que “Bad Boys Para Sempre” é a sequência que não sabíamos que queríamos. Ele se mostra não apenas como o melhor e mais completo filme da franquia, como também se alterna bem entre a ação empolgante, a comédia cheia de humor negro, e uma fresca adição de emoção familiar. Ah, e uma cena durante os créditos pode indicar uma possível continuidade desse “bad universe”. Será que teremos Will Smith e Martin Lawrence para sempre, afinal?

Nota: 8

Por Fábio Cavalcanti