19 de julho de 2024

Resenha: "DEEP PURPLE - =1"


Há quem diga que o Deep Purple já deveria ter se aposentado, como se bastasse o fato dessa banda britânica ter feito parte da turma setentista que solidificou o hard rock e o heavy metal, ou como se bastassem o hit “Smoke on the Water” e os álbuns “In Rock” e “Machine Head”. Quem abrir a mente, encontrará ao menos um pouco de revitalização enérgica no 23º álbum dos velhinhos: “=1” (2024), o 5º com a produção polida do Bob Ezrin.

Ian Gillan brincou mais com as métricas e outras possibilidades da sua desgastada voz anasalada, e ousou soar jovial e malandro em muitas das novas letras. Ian Paice continuou fazendo rufar as suas sempre frescas variações de bateria. Roger Glover fez o seu baixo “jogar para o grupo”. Don Airey elaborou teclados mais exóticos e menos reminiscentes do saudoso Jon Lord. Já o novo guitarrista Simon McBride, desprovido da autenticidade dos ex-membros Ritchie Blackmore e Steve Morse, criou riffs e solos firmes…

“Show Me”, “A Bit on the Side”, e “Sharp Shooter”, são uma ótima entrada: voz maliciosa, letras safadas, peso cadenciado ou suíngue pulsante, e o início das conversações entre guitarras e teclados. “Portable Door” possui uma letra enigmática sobre o ato de evitarmos aporrinhações, e remete à 'bluesy' e melódica "Pictures of Home". “Old-Fangled Thing” é um boogie rock sensual, acelerado, e dotado de pequenas surpresas estruturais. A lenta e linda “If I Were You”, que aborda a resignação, recupera o ‘feeling’ da fase do Morse.

“Pictures of You”, uma crítica às atuais falsas aparências, pode soar estranha em termos de harmonias. “I'm Saying Nothin'”, boa ode ao silêncio, passará batida para muita gente. A excelente “Lazy Sod”, que aborda a preguiça frente a problemas mundiais, parece um blues rock do "Fireball". A veloz e arrepiante “Now You're Talkin'” traz os turbilhões mentais e uns berros inesperados do Gillan. “No Money to Burn”, com o seu otimismo brincalhão, soaria bem num bar. A lenta e afetiva “I'll Catch You” é embebida por vocais e solos “doloridos”…

Por fim, o hard rock progressivo e intrincado “Bleeding Obvious” nos incentiva, paradoxalmente, a encararmos com simplicidade o nosso mundo complicado. E então, após a conclusão desse álbum “=1”, me ocorreu a pergunta: existe tesão na terceira idade? Através de 13 dignas canções, o Deep Purple respondeu positivamente, e exigiu que esqueçamos por ora a sua própria idade. Vida “longa” para eles, e para todos nós!

Nota: 8

Por Fábio Cavalcanti

Músicas:
1. Show Me
2. A Bit on the Side
3. Sharp Shooter
4. Portable Door
5. Old-Fangled Thing
6. If I Were You
7. Pictures of You
8. I'm Saying Nothin'
9. Lazy Sod
10. Now You're Talkin'
11. No Money to Burn
12. I'll Catch You
13. Bleeding Obvious

15 de julho de 2024

Resenha: "TRAVIS - L.A. TIMES"


Surgido na Escócia, o quarteto Travis fez sua contribuição ao 'britpop' do final dos anos 90, com canções como "Why Does It Always Rain On Me?" e "Sing". Fran Healy, dono de uma voz belamente franzina ou sussurrada, burilou um 'alt-rock' que puxava o lado semi acústico e melancólico do Oasis, Teenage Fanclub, R.E.M., e afins, e assim inspirou também o Coldplay inicial. Analisemos agora o seu 10º álbum, “L.A. Times” (2024).

Healy cita o novo trabalho como bastante pessoal, o que explica sua produção à la “Beck influenciado pelo Big Star” e o certo abafamento nos arranjos minimalistas dos seus companheiros Payne, Dunlop e Primrose. “Bus”, faixa que tem metáforas óbvias sobre a espera por mudanças positivas, é um quase esquecível “indie folk/rock”. A razoável “Raze The Bar”, uma homenagem aos coloridos e efêmeros bares, possui um mix de melodias grudentas, temperos soul, e uma sutil participação de Chris Martin e Brandon Flowers.

As coisas melhoram nos falsetes e dedilhados de “Live It All Again”, uma singela canção acústica que nos incentiva a valorizar as boas lembranças após um término de relacionamento. A chamativa “Gaslight” tem uma letra inquieta e sardônica sobre abusos psicológicos, e sua abordagem - com uns instrumentos de sopro - evoca os rocks “bastante britânicos” do The Kinks. A ótima “Alive” enaltece a nossa tenacidade frente ao tempo, e seus pontinhos soturnos lembram os tempos do álbum "The Invisible Band"...

Conselhos paternais, e uma base de "hip hop soul", não engatam uma centelha efetiva à faixa “Home”. A malemolente “I Hope That You Spontaneously Combust”, que ironiza as tóxicas redes sociais, soaria bem no Tik Tok. O folk “Naked In New York City”, com o seu bom ‘feeling’ no tema de inseguranças, parece uma sobra do cultuado álbum "The Man Who". “The River” traz novos conselhos paternais de superação, catarses na performance, e boas melodias escocesas.

“L.A. Times” é encerrado por uma faixa-título que descreve o lado obscuro de Los Angeles, com uns bizarros versos de “rap branquelo” que não minam por completo sua atrativa melancolia noturna. Assim, ao fim de breves 32 minutos, notamos nesse álbum um Travis ainda escutável, às vezes corajoso, e definitivamente distante do espírito “loser” que resultou nas doloridas e maravilhosas músicas dos seus primeiros anos…

Nota: 6

Por Fábio Cavalcanti

Músicas:
1. Bus
2. Raze The Bar
3. Live It All Again
4. Gaslight
5. Alive
6. Home
7. I Hope That You Spontaneously Combust
8. Naked In New York City
9. The River
10. L.A. Times

12 de julho de 2024

Resenha: "MR. BIG - TEN"


A banda estadunidense Mr. Big inseriu um hard rock tão virtuosístico quanto pop, no finalzinho da onda do “glam metal” oitentista. Seu breve sucesso ocorreu em 1991, através do álbum "Lean into It" e do hit "To Be With You". Em 2024, sem um dos seus membros clássicos, o quarteto lançou seu 10º álbum, “Ten”, e já anunciou outro término de atividades…

Eric Martin não escondeu os desgastes de alcance da sua distinta e arfante voz ‘soulful’. As melodiosas "fritações" do guitarrista Paul Gilbert, e os reconhecíveis 'tappings' do baixista Billy Sheehan, são usados aqui de forma econômica, e são amplificados apenas em trechos que abrilhantam até mesmo algumas das canções mais fracas do novo lote. O baterista Nick D'Virgilio incorporou bem as nuances 'fusion' do saudoso Pat Torpey. E claro, as boas harmonias vocais “retrôs” permanecem…

A ótima “Good Luck Trying” é de um humor autodepreciativo no tema da resiliência, e suas quebradeiras jazzistas homenageiam “Manic Depression”, do Jimi Hendrix. “I Am You” aborda a toxicidade recíproca de um relacionamento, e suga de um semi acústico power pop sessentista. “Right Outta Here”, uma ode às mulheres impiedosas, chama atenção por pontuais melodias exóticas. “Sunday Morning Kinda Girl” é um pop/rock 'bluesy', ensolarado, e bobamente amoroso. Já “Who We Are” é uma baladinha romântica genérica.

A violonista e apaixonada “As Good As It Gets” possui um groove cafona à la “The Who da fase pós Keith Moon". “What Were You Thinking” e “Up On You”, as favoritas deste que vos escreve, soam insinuantes ou malandras, e evocam o agitado rock 'n' roll do Aerosmith setentista. A cadenciada “Courageous” oferece otimismos e umas melodias básicas. A lenta e melancólica “The Frame” aborda o envelhecimento, e encerra os novos trabalhos de forma acertadamente comovente.

Os pontos altos de “Ten” são as eventuais músicas “hard/blues rockers” - incluindo a bônus “8 Days On The Road” (já gravada por Howard Tate, Aretha Franklin, e Foghat). Ainda assim, respeito a coragem desses veteranos de optarem por variações "Beatlenescas" e produção intimista ao invés da robustez sônica de outrora. Se você curtiu “Defying Gravity”, a despedida de Torpey, também apreciará esse bom “adeus” de Martin, Sheehan e Gilbert.

Nota: 7

Por Fábio Cavalcanti

Músicas:
1. Good Luck Trying
2. I Am You
3. Right Outta Here
4. Sunday Morning Kinda Girl
5. Who We Are
6. As Good As It Gets
7. What Were You Thinking
8. Courageous
9. Up On You
10. The Frame
11. 8 Days On The Road [faixa bônus]